quinta-feira, 14 de maio de 2015

CAVALO DEITADO

 Arte de Robert Falk

Eu não contei com nenhum exemplo, ídolo, modelo de vida.

Alguém que pudesse me motivar a colar cartazes atrás da porta do quarto ou que me botasse a correr por um ingresso.

Nem na música, nem no cinema, muito menos na literatura.

Alguém que fosse seguir insanamente suas pistas e biografias, capaz de me pôr a participar de chats e comunidades.

Alguém para repetir os gestos, o riso, o carisma do olhar no espelho.

Nunca fui fã de carteirinha de qualquer artista. Não tive aquela influência externa, que facilitasse uma identidade e que poderia prestar uma homenagem no Facebook.

Com exceção de um cavalo. Um cavalo branco, pálido como o leite, que observei na infância.

Um cavalo, sim!, eu inspirei a minha vida num cavalo.

Quando tinha oito anos, participava de um churrasco numa fazenda de amigos dos pais em São Borja.

E observei um cavalo estranho abrir o portão com um meneio da cabeça, subir a estrada sinuosa de terra batida, limpar as patas no capacho, entrar dentro do casarão e deitar na sala.

Montou guarda entre o sofá, a mesa e a televisão, ocupando praticamente o espaço necessário para se locomover.

Ele parecia uma pessoa. Não se intimidou com a multidão no pátio, manteve o porte ereto e tranquilo, convicto a protestar em pleno domingo.

Um cavalo revolucionário. Um cavalo grevista.

Eu me espantei com a imprevisibilidade da cena, e me belisquei para definir se não estava dormindo.

O cavalo entrou na casa do seu dono, por algum motivo obscuro. Os mais velhos tentaram dissuadi-lo, levá-lo dali pelo tranco das rédeas ou por palavras carinhosas, xucras, bravas, nada produzia efeito.

O cavalo teimou em ficar.

Naquele pânico, no zunzum dos convidados opinando sobre qual atitude adotar, ouvi de minha mãe a frase que me serviria de lema:

– Cavalo deitado, ninguém levanta!

Sou teimoso como aquele cavalo. Turrão como aquele cavalo. Obstinado como aquele cavalo.

É só me dizer que não posso fazer, que faço. É só me contrariar que aceito o desafio. É só falar que é impossível que dou um jeito de tentar. As adversidades são estimulantes.

Deito com todo o peso de meus sonhos na dificuldade para jamais desistir. Não importa o que os outros vão pensar, não arredo do lugar até conseguir o que desejo. Quero ver me tirarem do meu objetivo.

Tenho pena de quem eu amo. Vou entrar em sua sala e jamais sair até convencê-la a subir em minha sela.

Nunca fui o príncipe, sou seu cavalo branco, mas sei que a insistência inteligente é o caminho ao reinado.





Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 4, 05/05/2015
Porto Alegre (RS), Edição N°
18153

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