quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

FORA DO TEMPO

Arte de Vladimir Kush

Não deixo o tempo perdoar em meu lugar. Não darei a ele os créditos de minhas dores.

Assumo minhas falhas e eu mesmo peço desculpa. Minha soberba é menor do que a minha inteligência, e posso garantir que é bem menor do que o meu coração. Ainda que seja um coração tolo, crédulo, facilmente influenciável.

Não tenho nenhum problema em perder uma briga, mas tenho todos os medos na hora de perder um amor.

Não permito o tempo resolver o que não resolvi, ajeitar o que não ajeitei, concluir o que abandonei, sugerir o que silenciei, falar por mim.

Não assinarei uma procuração no cartório para que ele defina minha situação.

A franqueza tem que ser paga à vista. O tempo apenas acumula juros e distorções do nosso valor.
Não são os dias, os meses, os anos afastado daquele que amamos que nos trarão clareza. Até porque a saudade torna todos os dias iguais, não faz nenhum sentido aguardar o que já se sabe.

Há o hábito de sumir e desaparecer quando os dilemas aparecem na vida amorosa. Eu me comprometo até o fim. Se não tem saída, aproveito para ficar junto.

Sou adepto de permanecer na tempestade a dois - nenhum dilúvio é para sempre. Sou possessivo com as minhas lembranças, arrumo a bagunça que criei, explico minhas crises, não transfiro ao tempo o que é de minha responsabilidade.

Não considero justo o tempo dizer que eu estava certo ou errado. Isso é confortável, e não existe tranqüilidade que substitua a sinceridade. Melhor errar assinando a página do que acertar anonimamente.

O tempo organiza, mas não define.

O tempo esfria, mas não cura.

O tempo estanca a hemorragia, mas não cicatriza.

O tempo elimina a carência, mas apaga o desejo.

O tempo acalma, mas não garante o entendimento.

O tempo adia as dúvidas, mas não consolida as certezas.

O tempo finge que avançamos, mas não saímos do lugar.

O tempo serve para diminuirmos a importância das ofensas, mas não resgata os elogios que não serão feitos.

O tempo é o senhor da razão, só que sempre escolho a fé, senhora da ação.

A fé cria seu próprio tempo. O tempo de amar é agora.






Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 4, 30/12/2014
Porto Alegre (RS), Edição N°
18029

3 comentários:

A Ex de Murphy disse...

E só com o tempo a gente aprende que o tempo mesmo parece que não soluciona nada sozinho...
Vou grudar esse seu texto na minha geladeira pra não acomodar e lembrar de não deixar esse tempo aí resolver as coisas por mim =)

simone gallego disse...

No silêncio cabe qualquer coisa! Bom não abusar dele!

Anônimo disse...

Caro Carpinejar, posso tatuar as duas primeiras frases no meu braço direito, próximo ao coração, para que eu nunca me esqueça?