sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

DINHEIRO NÃO COMPRA TUDO

Arte de Federico Barocci

São tantas as conquistas femininas ao longo do tempo, de independência do jugo masculino, que não vale jogar fora por uma noite. Não se rebaixe a sujeitos que pensam que podem comprá-la por conforto e ostentação. Dinheiro não traz paz de espírito.

Não aceite, por exemplo, que o homem pague bebida, ele vai supor que está a fim dele e entender errado. A cortesia custará caro. Não troque seu charme por um favor ou uma dose de vodca. Não alcance esperança se não existe nem atração. Não faça o tipo acreditar que tem chance apenas para baratear o custo da balada.

Não transmita a ideia de que um camarote representa alguma vantagem ou preliminar. Ser VIP é uma ilusão. O cercado vira uma prisão. Não se diminua esteticamente, a ponto de decorar o ambiente, suportando o anfitrião se vangloriando de suas coxas à mostra. A pulseira colorida não amadurecerá em aliança.

Não admita metade do preço das baladas e bares. É uma cilada machista. É tratar a mulher como manada para atrair homens. Pague o valor integral, para não ser vista como uma isca.

Ao sair, preveja condições de ir e voltar, sem depender de milagres. A autonomia protege a escolha.

Passe a mensagem correta, doa a quem doer. Quer sexo ou amor? Já venha com a pergunta definida de casa. Homem não tem complexidade para perceber os dois juntos.

Dificulte a vida do pretendente – homem se apaixona ao ser desafiado. A dúvida cria o mistério. Brigue, conteste, não concorde com tudo fingindo que é agradável. Bajulação é demonstração de submissão. Primeiro, estabeleça o contato. Depois, aceite a cantada. Não adianta reclamar do imprevisível e se lamentar como vítima do destino. Desde antes, diga o que deseja. Quebre a coluna vertebral das palavras, explore a sinceridade e a realidade, não simule que será uma história de amor ao perceber grosseria e laconismo. Não force a barra por visibilidade e confiança perante as amigas.

Homem emprega o artifício de deixar rolar para não se comprometer. Recuse o expediente da passionalidade, da mágica, do encontro astrológico. Fundamente a opção com boa conversa e cuidado.

Quando o homem escuta, não significa que esteja concordando. Provoque sua fala, para que ele se denuncie e entregue suas contradições. Se ele não sabe falar, não saberá amar.

Muito menos aposte no trago para criar empatia. A bebida não tornará ninguém melhor, somente piora o que já existe.

Não seja contra o cavalheirismo, é um indício de relacionamento sério. Perder tempo é dedicação. Não se oponha a que ele puxe a cadeira, segure o guarda-chuva, abra cervejas. Educação nunca faz mal. Um homem educado é o princípio de um homem gentil. Gesto é sempre honra, não moeda.

A vulgaridade envelhece. Não ponha vestidos que não permitam respirar. Tubinhos que fazem todas parecerem iguais e prontas para o sexo. Com a barra na altura da calcinha. É o uniforme do desespero. Aproveite a moda como ideologia: vestidos coloridos, combinações descoladas, vivas, com traços de sua personalidade. A aparência é a alma do olhar. Aja para o amor verdadeiro com espontaneidade. Não guarde vergonha de suas crenças e convicções.

Não transe nos banheiros ou nos corredores das casas noturnas. Pode concluir que foi uma aventura, um encontro inesquecível, arrebatador. Só que ele vai reconhecê-la como fácil e barata – sequer necessitou pagar motel.

Homem enumera as mulheres que pegou aos amigos. Não seja um número. Se ficou com um, não fique com outro da mesma turma. Será vítima de bullying sexual.

Transe porque tem vontade, não para despertar o interesse ou receber uma recompensa emocional. Que a facilidade seja consciente e alegre, não triste e resignada. Romance não é sobremesa, precisa vir com o prato principal.

Liberdade é jamais faltar respeito consigo. Ao identificar que ele não respeita seu ritmo, dispense. Não atalhe com medo de perder alguém. O atalho é o caminho mais longo, cheio de explicações, remorsos e desculpas.

A paciência é sinônimo de sedução. Dispense frases de para-choque de caminhão. Procure despertar o improviso, a inquietação, a novidade.

Não se convide para dormir na residência de um desconhecido, jurando que tem boas intenções. Ainda que não aconteça nada, ele se envaidecerá de expor seu apartamento disputado para a vizinhança.

Não dê oportunidade de flerte a homem comprometido. Que o estado civil se transforme em pré-requisito, não alimente suspense para descobrir do pior jeito na semana seguinte. Preferível o constrangimento ao vexame.

Intimidade vem com a ternura, jamais para quem tem pressa.






Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 4, 02/12/2014
Porto Alegre (RS), Edição N°
18001

2 comentários:

Samantha disse...

Sábias palavras. E que haja esperança para essa geração dos desapegados.

UrbAnna disse...

Perfeito!!!
Pena que as jovens mulheres (e as não tão jovens assim) que precisam ler isso dificilmente lerão textos de um cara inteligente como vc!